26 de dezembro de 2009

Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior!

Acordei aquele dia da mesma forma que acordo em todos os outros, desde o que aconteceu. O celular toca, a comando do seu despertador, e na massacrante maioria das vezes eu quero continuar dormindo por mais um pouquinho de tempo. Pelo menos mais um pouquinho...

Mas aquele dia quando acordei e abri a janela do meu quarto tive uma sensação diferente. Uma sensação que não sentia há muito tempo... que talvez até nunca tivesse sentido. O céu estava azul, um azul bem clarinho. Confortante.

O sol parecia sorrir... E uma brisa leve bateu em meu rosto, fazendo meus cabelos se movimentarem por um segundo. Tudo foi confortante.

Finalmente, depois de tanto tempo, animei-me para passear. Passear um pouco ali no parque não era má ideia. Apressei-me em colocar uma roupa fresca, tomar meu café com leite e duas torradas, e sair.

Eu ainda sentia-me muito frágil, a ponto de achar que a qualquer instante pudesse acontecer algo que me magoaria. Andei uns dois quarteirões, encontrei a entrada do parque, e passei a procurar um lugarzinho em que eu pudesse me sentar, que fosse agradável. Havia levado um livro, e queria lê-lo tranquilamente. Está aí um dos pouquissímos hábitos que ainda mantinha: ler. Talvez porque mergulhava em mundos diferentes, mágicos... e esquecia por um tempo do meu.

Sentei-me encostada numa árvore frondosa, que fazia uma sombra considerável, e me oferecia uma vista bonita- estava bem em frente ao lago. Flores o enfeitavam, ao seu redor; estas flores me traziam algum tipo de alegria.

Respirei fundo, e senti aquele cheiro gostoso de terra molhada. Como foi bom sentir esse cheiro de natureza.

Comecei a ler. O ponteiro do relógio seguindo em frente, e eu continuava fazendo com que meus olhos me fizessem mergulhar naquele mar de palavras... Em alguns momentos parava para perceber como aquilo me surpreendia. Aquilo que estava sentindo. Comecei a achar que estava em paz.

Surpreendia-me também com um passarinho. Porte pequeno, asas coloridas, que começara a me rondar, cantando feliz. Algumas vezes, ao pousar, ele ficava me observando. Com os minúsculos olhinhos brilhando, curiosos.

Parecia até que queria conversar comigo, mas que estava com receio... Que loucura, passarinhos não falam! Tentei voltar a me concentrar na leitura... estava chegando ao ponto de cochilar, quando ouvi uma voz aguda, que parecia distante de tão tímida:
- oi.

Tomei um pequeno susto, e comecei a procurar pela pessoa que havia falado comigo. Não a encontrei. Fechei os olhos, cansada, e ouvi novamente:
- oi.

Procurei de novo o engraçadinho que estava fazendo essa brincaderinha boba comigo, mas não vi ninguém, a não ser aquele passarinho com seus olhinhos curiosos, bem próximo de mim. Só tinha ele ali. Não, não podia ser. Eu estava sonhando, só isso.

Fiquei olhando intrigada para aquele doce passarinho intrigante.
- oi.

Não pode ser, eu estou ficando louca! ...respondi, desconfiada, achando-me tola:
- ô...oi.

O passarinho pareceu sorrir.
- Qual é o seu nome?
- A...Alice. E o seu...? Você tem nome...? Você... você pode falar?
- Ah, claro, não me apresentei. Que mal educado, não?! Meu nome é Francisco, prazer!

Um pequeno passarinho falava comigo. Um passarinho chamado Francisco. O passarinho falava, e ainda tinha um nome... Aquilo era impossível.
- Por que você apareceu aqui... no meu sonho? O que você quer?
- Como assim? Em que sonho?
- Eu só posso estar sonhando! Pelo menos até onde eu lembro nunca havia falado com um animal antes! Até porque animais não falam, não é mesmo?!
- Você ainda não está acreditando? Seres humanos... Seres teimosos, nunca enxergam a realidade que está bem em frente ao seu nariz! Nunca havia visto você por aqui, moça bonita. Tão bonita e tão triste... o que te deixa assim?

Como ele sabe que estou triste? Por que raios estou conversando com um passarinho?
- Estou triste porque... perdi uma parte de mim. Uma parte a que nunca soube dar valor.
- Ah, entendo, fez alguma cirurgia plástica? Sempre achei isso uma grande besteira, sabe? As cirurgias plásticas...
- Não, seu passarinho sem graça! Não é isso! Antes fosse!
- O que aconteceu, então? Nós não entendemos muito bem o comportamento de vocês, humanos, sabe...
- Eu acho que posso te entender, passarinho...
- Francisco.
- Francisco, Francisco... eu também não me entendo...

Comecei a me perder em sentimentos, e me permiti falar tudo o que sentia.
- Ela... ela era uma mulher maravilhosa. Dedicou toda sua vida a mim. Trabalhou por mim, se sacrificou para me dar o que eu precisava. Ela chegava a me levar café na cama quase todos os dias. Ela se preocupava muito comigo, e eu não entendia. Nunca a entendi. Até o dia em que o meu não entendimento nos fez brigar. Brigar de verdade. Eu via como ela sofria, mas pensava só em mim mesma. Comecei a fazer várias coisas para me distrair, e para evitá-la. E eu conseguia. Assim, foi passando o tempo... dois anos ou mais... ela tentando resgatar aquele sentimento que eu talvez nunca tivesse demonstrado por ela. E eu, orgulhosa, pensando somente em mim. Faculdade acabando, o trabalho foi me tirando todas as poucas horas que ainda me restavam... a vida foi se deixando levar. Ainda recebia meu café na cama, e o sorriso dela desejando-me "bom dia", aquele olhar me dizendo, com o coração partido, "eu te amo". Aquele sorriso, aquele olhar...
A vontade que tinha era de abraçá-la como nunca havia feito antes, e dizer o quanto aquilo me fazia bem. Mas meu orgulho impedia-me de fazer isso.

O passarinho Francisco ouvia tudo atentamente.
- Essa mulher é...
- Minha mãe. A mulher mais preciosa do mundo. E eu só reconheci isso agora...
- Mas linda menina, então porque você não vai dizer isso agora pra ela?
- Porque... eu já não posso mais. Eu a perdi. Para sempre.

O passarinho Francisco conseguia até sentir, de verdade, a tristeza que a doce menina estava sentindo. Ele nunca entendera bem os humanos, mas havia entendido Alice. Alguma coisa os unia ali... Era como se Francisco tivesse algo a fazer por ela...
- Ah, linda menina... eu sinto muito. O que será que posso fazer por você...? Cantar? Adoraria poder vê-la sorrir novamente...
- Ah, Francisco, nada mais pode me fazer sorrir. Não tenho mais motivos para isso. Agora só estou me deixando levar por aí... não ligo mais para o que pode acontecer comigo.
- Não diga isso, linda menina! Você é muito jovem para dizer essas coisas! Quem me dera esse velho passarinho aqui poder voltar em sua juventude... eu tinha a energia de um furacão! Voava o dia inteiro, e ficava encantado com muitas coisas, indignado com outras... Mas mesmo ficando indignado com todas essas outras coisas, nunca deixei de continuar querendo ver tudo o que sempre via, todos os dias. Eu sempre amei esse lugar, sabe... as crianças brincando no parquinho, pedindo sorvete e pipoca para os seus pais...
Os casais, nos banquinhos namorando apaixonados... sentindo o melhor sentimento dessa vida, o amor...
E os velhinhos com inveja e saudade de todas essas fases de suas vidas aqui, trazendo agora seus netos, com seus filhos,e também preparados para o pedido do sorvete ou da pipoca das crianças. Os velhinhos sempre traziam uns dois reais, pra poder agradar seus netinhos!
É lindo ver a vida passar aqui... Você tem que aproveitá-la ao máximo, doce menina. Viva uma juventude plena e cheia de disposição! Quando se é velho, assim como eu, já não é tão fácil...
- Mas pra quê, passarinho? Nunca mais vou poder pedir desculpas pra minha mãe... nunca mais vou poder abraçá-la... eu já perdi meu emprego porque tranquei a faculdade... não tenho mais motivos para me esforçar.
- Doce menina, você acha que sua mãe estaria feliz te vendo assim? A única coisa que ela continua querendo é te ver feliz. Ver você sendo vitoriosa, conquistando seus sonhos! Fique feliz, pequena Alice. E assim estará orgulhando sua mãe.
Agora preciso ir, olhe só, um temporal está por vir. Preciso achar um lugar para me proteger, e você também não pode se molhar. Espero que daqui a algum tempo você venha me ver, e me conte que mudou toda sua postura!
- Sim, eu... prometo.

O passarinho voou. O meu medo pareceu voar também. Aquele passarinho parecia ter injetado em mim doses de coragem, de vontade de viver, de verdade, novamente.

Fui pra casa atordoada. Ainda não acreditava em tudo que tinha acontecido.

Acordei no outro dia com a tal sede de viver. Fui pra faculdade, fazer a rematrícula pra voltar a cursar arquitetura. Peguei meus velhos currículos e distríbuí por onde eu desejava trabalhar. E no final do dia ia no parque conversar com o velho Francisco. Ele sempre lá me esperava, no mesmo lugar, em frente ao lago.

Não era só minha mãe que estava orgulhosa de mim. O Chico também estava. Ele se tornara um grande amigo.

Mal passou aquele mês, comecei a trabalhar num escritório perto de casa, e percebi que já estava com saudade da rotina corrida que se tem quando se faz duas coisas juntas. Levar a faculdade e trabalhar ao mesmo tempo não é fácil, e agora sem minha mãe estava tudo ainda mais difícil. Eu estava provando pra mim mesma que era capaz.

Mesmo com o pouquíssimo tempo de sobra, eu ainda ia ver o passarinho Francisco, que me fez perceber que temos que viver todos os dias como se fosse o último. Pois um dia, esse dia vai chegar. E também me fez perceber que a gratidão é um sentimento que devemos demonstrar todos os dias às pessoas que amamos, 'pois pode ser a última vez que as vejamos'.

Eu estava com o Chico quando ele se foi. O meu amigo estava velhinho. Velhinho sábio! E dessa vez eu havia falado da minha gratidão. Eu disse a ele o quanto nossas conversas me faziam bem.

Agora eu sabia dar valor às pessoas que eu tinha, mas principalmente demonstrar isso à elas.

9 comentários:

  1. Poxa, sem palavras Lidy. Puta, que texto lindo. Quase me fez chorar. Eu adoro histórias assim, mesmo! E foi outra vez um tapa na minha cara. Sério, você devia escrever um livro, me deixou com gostinho de quero mais. Sua boba, por que faz isso comigo? <3 Continue me dando tapas na cara, por favor.

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  2. hausduhasd' Ain seu comentarios, você me fez feliz agora. Que bom que faço vocês que sao importantes pra mim pensarem em algo... livro? hausdhuahd' que isso! Eh mta coisa pra mim : D Obrigada por ler e comentar, Gui. Você me incentiva!

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  3. Nossa Muito lindo vc conseguiu mostar em uma breve historia o que muitos livros tentam dizer em milhões de palavras, algo tão simples de se entender que é o valor, mas nós só sabemos entender a palavra valor qaundo perdemos muitos de nós . Muito lindo seu tezto amei ♥

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  4. Que texto lindo! Me fez parar e pensar em várias situações que eu já vivi, presenciei e nas minhas atitudes. Além de ter sido muito bem escrito. Muito bom, mesmo.

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  5. Oie Lidi!!! Quanto tempo, né?
    Muito bonita essa história. Muito verdadeira.
    Gostei muito. Vc consegue passar seus pensamentos e sentimentos de uma forma muito poética, sabia?
    E, sim, vc devia escrever um livro! Eu compraria, com certeza!
    Continue com seu belo trabalho!

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  6. Ahh, mto obrigada gente! Vocês me incentivam mto com seus comentarios... *.* Quem sabe um dia eu escrevo um livro... sonho distante, talvez. mas quem sabe... rs

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  7. Como o Gui disse, quero mais um tapa na cara. Quero dizer, nunca pensei que viveria para pedir isso alguém. Tipo:'me dá um tapa na cara?!'. Mas sim, é essa a função de seus textos nas pessoas. Obrigada por esse tapa. Te amo por isso. Te amo por tudo. *-*

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  8. Parabéeens Lii! muuito bom o texto

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  9. Nossa, Lii, e o pássaro falou mesmo! To precisando de um desses pra me dar alguns conselhos! Muito bom, sério. Uma lição pra gente, que não sabe dar valor às pequenas coisas boas que nos cercam. Suas palavras são músicas pros meus olhos. =D

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