24 de setembro de 2010

Essas lembranças ao menos são bonitas.

Fiquei revirando as folhas deste caderno, o rabiscando, olhando para esta caneta velha com que escrevo. Certifiquei-me de tudo; da poesia que não queria que soasse falsa, e da falta das palavras para demonstrar expressão.
Escrever para você agora perece-me bem mais difícil. No fim, espero que nunca o leia. Se o ler... bem, se o ler, ficará sabendo... sabendo das coisas que estou prestes a escrever. Falo assim porque ainda não sei o que serão essas coisas... não passam de lembranças. Não no tom de rancor; digo que são lembranças porque realmente as são, e guardo-as porque são lembranças. E boas, boas lembranças.
Lembro-me daquele dia em que você disse, com medo, talvez: "tudo que é muito intenso dura pouco". Aquilo me causara um nó na garganta sem igual. Estas palavras até hoje me causam certo receio; eu, que mergulho em meus devaneios sem perceber, e... nunca sei onde vou chegar.
Sabe, a verdade é que não lembro de todos os momentos. Na verdade, muito poucos. O que me instiga é ainda conseguir sentir o gosto do amor daqueles tempos; lembrar de como ficava feliz ao te ver sorrir.
Hoje me peguei imaginando uma mesma cena daquele filme... você, depois de alguns anos sem mim, vai até onde eu estiver, não importa onde. Talvez em Paris. Você vai até Paris e ao encontrar-me diz coisas que nunca acreditou que diria.
Ia dizer que ainda me amava... que continua a me amar como antes. Como sempre. E é estranho admitir, mas ainda o considero como o amor da minha vida. Não, não digo neste sentido; muitos outros amores irão passar em minha vida- ela sempre nos dá essa oportunidade. Mas agora, ah... por que você o considerado?
"amor da minha vida"... será que faz algum sentido se não é com a minha vida que você está?
Mas não importa. Devo confessar que acharia isso uma coisa bonita. Você ir de encontro a mim dizer-me do teu amor.
Nos meus sonhos, esse encontro termina por aqui. Não saberia dizer-lhe minha reação.
Acho que se nos conhecêssemos agora... mais velhos, mais maduros... nosso momento teria dado certo. Sim, confesso que o penso. Mas fora de uma pureza tão singela as nossas mãos juntas e os nossos planos, aqueles todos que fizemos os dois, que não sei dar explicação... nunca soube.
Quem sabe o destino, no qual não acredito. Quem sabe o acaso; o mesmo. Na verdade eu sei que foi uma escolha tua.
Agora nossas vidas são distintas... tão longe. Tão separadas. Tão cheias de lembranças e sonhos... essas lembranças ao menos são bonitas. Não sei se devo dizer que sinto saudades, pois não sei se sinto.
Mas que dirá as reações de meu corpo ao ver-te novamente? Que seja feita a vontade do amor em si. Escrevo essa carta sem querer que você leia, lembra? De que adianta falar; imagino que já deve ter lido algum de meus textos. Será que percebeu alguns gestos teus nos outros deste...?
Enfim, o que me prometera se fincou. Criou raízes, deu flor, deu fruto, secou, caiu ao chão, e agora vou embalado pela vontade de não-saber-pra-onde-vai.
O canto: "Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim... que nada neste mundo levará você de mim. Eu sei e você sabe que a distância não existe, que todo grande amor só é bem grande se for triste. Por isso, meu amor, não tenha medo de sofrer, que todos os caminhos me encaminham pra você".
Quem sabe um dia a poesia ainda fale por nós... quem sabe um dia os tijolinhos a construir...

12 de setembro de 2010

Guarda aqui tuas lembranças, meu amor.

Ela sentara naquela poltrona aconchegante de sua varanda. Ao seu lado, em cima da mesa, sua xícara inseparável de café matinal, e a sua frente a vista alegre das árvores floridas no outono. Olhando todos aqueles tons amarelos vivos também caídos ao chão lembrou-se de sentir mais a si mesma. Respirou fundo, fechou os olhos por um instante e sorriu. Sabia que a paisagem que podia contemplar todos os dias era um privilégio que poucos tinham; sabia que a alegria que sentia ao vê-la logo ao acordar pelas manhãs era somente dela.
Aquele caderno grosso com seus contos de inspiração permanecia junto a mesa como sempre. Um dia iria terminar uma de suas várias histórias. Talvez algumas poucas valessem a pena... mas ela tinha um carinho especial por todas. Em cada uma delas tinha grifado um gesto, uma marca, algo de sua vida. Uma lembrança, um pensamento vago... uma saudade passageira. Sempre escrevera com o coração.
A brisa passou e se contentou em carregar umas poucas folhas secas e a transmitir-lhe um arrepio de frio. Entrou, terminou de tomar o café que tinha em sua xícara colorida e ligou o som. Música sempre a fazia bem. Jogou-se na cama e sentiu o conforto de seus travesseiros e do edredom macio. Abraçando-os, começou a pensar no dia que estava por vir. Sem muitos planos importantes, confessou. Resolveu dar uma olhada em sua mini biblioteca particular. Quem sabe revirar aquele baú antigo, encostado no outro canto do quarto... o adorava, estava ali como objeto de decoração. Era de sua mãe... ganhara de presente quando era criança.
"Guarda aqui tuas lembranças, meu amor. Um dia vai se apaixonar ao relembrá-las..."
Nunca esqueceu das palavras carinhosas de sua mãe. Realmente fazia muito tempo que ele estava ali esquecido.
Olhou para o porta retrato em preto e branco em cima do seu piano. Ela sorria, feliz. Um sorriso sem dores, mágoas. Era encantadora. Persistente. Sentia tantas saudades...
Pensou no quanto a vida era passageira para alguns; porém, marcante.
Desviou seu olhar para seus querido livros... Aquele mais antigo chamava mas atenção por sua capa rústica. Lembrou de quando ela lhe contava histórias antes de dormir. Ficava lendo histórias que acreditava que só ela conhecia. Aqueles também foram momentos inesquecíveis, onde se sentia protegida por seu abraço antes dos sonhos.
Finalmente, (e não sem antes observá-lo com curiosidade) abriu seu baú. Depois de tantos sentimentos bonitos, o que mais poderia vir a surpreendê-la?
Partituras amareladas... de sua mãe herdara o gostar pelas teclas daquele piano... ela ensinara suas primeiras notas, assim como a acompanhou em seus primeiros passos... Entre umas dez, lembrou bem daquela "Canção francesa". Em um dia triste, ela a ensinara a cantar enquanto tocava. A canção, assim como ela, era tão alegre!
"Plantei no jardim um sonho bom..."
Sorriu com carinho ao recordar-se desse dia... separou as partituras e deixou-as arrumadas ao seu lado. Logo em seguida pegou uma caixinha que ela própria pintara quando também era pequena. Estava quebrada. Toda florida, pintada em azul, vermelho e branco. Dentro havia alguns papeizinhos, aparentemente sem nenhum significado maior. mas achou muito singelos seus traços da infância... Tirou-a do baú também com carinho.
Havia também algumas roupas antigas, a fantasia de princesa da sua festa de nove anos, um diário escrito na pré-adolescência (que ao ler arrancou-lhe boas gargalhadas, e as melhores sensações em relação aos amigos).... até que pegou em suas mãos aquele ursinho pequeno de pelúcia. Seu companheiro de todos os dias daquele tempo de inocência e felicidade... ela o amara tanto! Cuidara dele como se fosse um bebê. Como pôde esquecê-lo ali, jogado entre tantas outras coisas...?
Percebeu então que tempo pregava peças... a fazia esquecer de certos detalhes. Mas percebeu que o amor não fugia dele, tampouco se adequava a tal. Ela o amara todos os dias, dentro de cada instante pertencente a seu amor. Assim o fez com a mulher que dera aquele ursinho, o fez com todas as falhas que podia, mas o fez como se não houvesse amanhã.
"Guarda aqui tuas lembranças, meu amor. Um dia irá se apaixonar ao relembrá-las..."
Aquelas lembranças nada mais eram do que tracejados de sua vida. Apaixonou-se por todas elas, pelo valor que cada uma delas transmitiam... sorriu ao se dar conta de como a vida era bonita.
-Esse sorriso você também herdou dela. Mas esse coração maravilhoso... ah, ele é só seu! E é por isso que te amo tanto...
-Eu também te amo, meu amor! Vem cá, me dá um beijo. Já tomou seu café?

2 de setembro de 2010

A vida esperava ansiosa por seus caminhos.

Ah!, já a algum tempo a menina de flor no cabelo sentia seu sorriso aflorar, a sua vontade inconstante de se libertar, a paixão em seu ser. Às vezes no jardim de casa ficava rodopiando, e sorrindo, e pensando no que seria dos dias depois de amanhã, nos lugares em que iria, nos filmes que assistiria em sua companhia. Pensava em rimas bonitas, queria ser poeta para fazer poesia dos sentimentos. Mas isso ela não sabia.
Ah, e como poderia expressar então aquela nova sensação? Queria que fosse de uma maneira única. Uma maneira que fizesse bem. De um gesto que marcasse para que sempre lembrasse disso em sua vida. Tinha de ser simples e bonito...
Correu. Fora se olhar no espelho. Já era uma moça... tinha cabelos compridos e olhos claros como o azul do céu. Os cabelos escuros e encaracolados se envolviam numa onde de ternura quando nele ela mexia, brincava, quando o bagunçava. Seus pés adoravam o chão. Seu corpo adorava o leve, o suave, os vestidos de cetim.
Achou graça de sua flor. Riu de si mesma por ser tão boba! Ficar se admirando como Narciso? Poderia acabar como ele... não! A vida esperava por ela. Esperava por seus passos, esperava ansiosa por seus caminhos.
Voltou feliz para o quintal. Viu uma joaninha, e se encantava por estes seres tão delicados! Brincou com ela até se cansar. Sentou na sombra de uma jabuticabeira.
No acolher do despetalar das pétalas... bem-me-quer, mal-me-quer. Bem-me-quer, mal-me-quer. Bem-me... adormeceu.
Logo ouviu ao longe uma música. Era linda! Olhou para trás e viu um homem e uma mulher a se aproximar. Vestidos como nas histórias dos livros de criança. Ele estava tocando em seu violão, e ela romântica, de saia comprida e uma cesta cheia de rosas na mão, começara a cantar:
"se enamora... quem vê você chegar com tantas cores, e vê você passar perto das flores... parece que elas querem te roubar!
... às vezes faço que não vejo e nem ligo, fingindo que sou distraída demais..."
Os dois pareciam muito contentes. A menina ficara envergonhada... era isso o que sentia. Eles foram chegando mais perto, e começaram a contempla-la. Acanhada, seus olhos brilharam. Aquela cena que ali se fazia era tão irreal!
- Será que eu poderia comprar uma de suas rosas para dar a essa linda moça?- perguntou o menino que chegara; ninguém havia notado sua presença!
- Claro que sim- respondeu a mulher com a cesta de flores na mão- custam um real!
Ela lhe deu a mais bonita, e com encanto em sua voz foi indo embora, acompanhada pela melodia do violão.
A menina não acreditava que ele estava ali em sua frente, lhe oferecendo com um sorriso tão bonito uma rosa em flor.
- É pra você.
"se enamora... quem vê você chegar com tantas flores..."
Ele a convidou para dançar, e assim que ela apoiou suas mãos em volta de seu pescoço, começaram a se levar com o vento. Seus pés no chão deixavam o momento ainda mais especial. Eles ali se uniam em um só, como quando ela brincara de caretas no espelho de seu quarto.
Ele tocou em sua face e fez carinho em seus cabelos, quando enfim...
Ela acordou. A joaninha não estava mais ali... que sonho lindo! Foi procurar no quintal uma moça com rosas vermelhas e um homem a tocar em seu violão.


Desabafo.

Olha só quanta coisa triste acontecendo. O amigo da minha escola sofre preconceito por ser negro, a menina por ser lésbica, e eu me pergunto o porquê de tanta ignorância.
Olha só quanta coisa triste vem acontecendo... Uma multidão sem discernimento, sem conhecimento, sem comprometimento. Vidas sem amor, cheias de dor, perambulando pela cidade, procurando por um refúgio, por um consolo, às vezes pelo menos por um cobertor.