28 de julho de 2010

Dom.

Acredito que amor de mãe, quando assim existe, é perfeito em si.
Aquele sem mentiras, incondicional, com todos os seus erros.
Mãe; tu és perfeita em teus caminhos.

25 de julho de 2010

Ela bailarina, ele personagem.

Ela bailava pelo palco, deixando seus rastros, expressando sorrisos, a delicadeza de seus gestos e o amor em seu coração. Um dia encontrou um outro personagem, que se dizia ser meio esquecido, meio sem memórias, e apenas com algumas lembranças mal recordadas. Ela o convidou para dançar. Ele consentiu, e começaram a valsar. Ela lhe deu a mão, ele pegou em sua cintura. Os olhares se cruzaram e se entenderam então. A música que começara a tocar era a mais bela: livre de mentiras ou traição. Ela jamais terminou.
Começaram assim a escrever páginas de um livro sem título nem pudor, onde ficavam registradas a saudade mais linda, a amizade mais sincera, os sorrisos mais bonitos, as poesias das manhãs, o carinho na pele, os versos das noites sem estrelas, o cafuné, o violão, o cantar... o coração.
A bailarina era atriz no palco, e precisava de seu personagem para cuidar dela quando ficava sozinha, ou triste, ou doente. O personagem sabia cuidar da bailarina, e a fazia amanhecer brilhando, vivendo a vida mais leve, tirando a sua dor. Era um cuidado sem forma, sem cor, nem explicação. Mas era o único que a fazia bem. O cuidado também ficava no livro que eles criaram em si, do ré mi fá.
O palco parece pequeno sem o teu cuidado. Sem seu personagem, a bailarina atriz não fica de pé.
De todas as formas de atuar, ela encontrara a mais bela. E quando o cenário se fazia frio, ele a levava pra dormir num só colchão, e a guardava com ele. Ela, ele e a imensidão.
E eles sonhavam que brincavam na roda-gigante de esconde-esconde. Ele às vezes contava histórias para que ela dormisse feliz. E quando ele dormia, ela acordava e guardava todas as suas cores. O seu cheiro e o seu ninar. Eles perto da imensidão se faziam tão pequenos... mas eram gigantes no coração. Ele guardou pra ela o amor que nunca soube dar, e ela, aquele que nunca entregou nem repartiu.
A peça então era a mais bonita, toda feita com folia, alegria e inspiração.

23 de julho de 2010

Em si, mistério. A vida. Ah...vida!

De um lado eu via aquela criança com olhos gigantes e curiosos. Fixos em qualquer lugar , qualquer pessoa, qualquer coisa que se apresentasse como mistério. Aquela mão que de tão pequena só era capaz de segurar meus dedos, aquele cabelo liso e ralo, e aquele corpo tão frágil... Aquele cheiro que só essas pequenas criaturas têm.
Do outro, aquele corpo frágil e também aquele cabelo ralo, mas desta vez acompanhados de rugas, marcas de expressões, cicatrizes e muitas histórias. Por onde será que essa mulher já passou, e quais será as sensações que ela sentiu? Será que já teve um grande amor? E sofrimentos....será que já sentiu alguma vez o que é a dor? Filhos, quantos filhos? E netos, será que também tem? E da vida, o que ela aprendeu? Experiência deve sobrar... mas e paciência? Ah, aquele sorriso demonstrava tanta tranquilidade e alegria, a meio de dores no corpo, por já ser velho, e a falta de descanso tão merecido. Será que o coração dela sempre foi assim, bondoso? Imagino uma mulher muito segura e confiante, rígida, e ao mesmo tempo admirável. Isso me faz sorrir.
Logo depois encontro um homem e procuro em suas feições e seu jeito algo que pudesse lembrar meu pai. Aquele cabelo branco, aqueles olhos marejados e escuros, aquele sorriso, aquele tom de voz, aquelas palavras... não, não consegui. Talvez aquelas marcas em seu rosto e o seu jeito brincalhão já tenha ficado um pouco menos nítido para mim. Mas a saudade surgiu, e a recordação de alguns de seus gestos também.
Continuei a olhar curiosa para aquele homem enquanto falava, e percebi que estava agindo como aquela criança com olhos gigantes. Percebi que um dia também vou ter rugas e um corpo frágil novamente, talvez algumas dores e com certeza a história de um grande amor. E quem sabe muitos filhos e muitos netos que aos domingos irão me visitar. Mas o mais importante é que, ao meio de tantas marcas e dor, exista vida e alegria no sorriso. Que haja muitos sorrisos e o coração bondoso, como o da velha que a criança olhava curiosa, aquela velha que apresentava um mistério em seu ser. Assim como é a vida.

18 de julho de 2010

A casinha de cobertor.

O menino, a menina, o violão.
O canto, e a voz mais bonita. A voz do coração.
Ele cantou pra ela, ela cantou pra ele, os dois cantaram juntos...!
Os dois sorriam, os olhos brilhavam, o tempo parara e a dor também.
Encanto era o momento que se fazia e que eles nem acreditavam que existiria.
Um menino, uma menina, um violão.
Um menino, uma menina, um só coração.
O gesto mais bonito, a saudade mais linda, a casinha de cobertor.

13 de julho de 2010

Planos de uma vida em branco e preto.

Abri novamente minha caixinha de lembranças, e ali senti vários sabores, relembrei velhos amores, o gosto do gostar daquele tempo já antigo. O cheiro do teu perfume, a letra e a poesia do teu ser, e daqueles outros que você sempre copiou; no fim entendi que às vezes nem compreendia. Aqueles versos que não passaram de um encanto eterno deixaram suas marcas naquelas próximas folhas do álbum de fotos que não existiu, trajando os planos de uma vida em branco e preto, esperando um novo soneto de amor.
Mas ah!, o que foi vivido no coração nunca será esquecido, aqueles beijos quentes numa noite em que tudo se tornara frio com a chuva (insistente), aquele teu sorriso confortante que se alegrava ao me ver e aquela tua rima ao amanhecer... aquele amor aqui nunca se esquece, foi como uma prece que não alcançou o altar, o meu corpo no teu ao nos entregar a queimar, e nossos filhos a brincar no jardim: "Alecrim, alecrim dourado..."

5 de julho de 2010

-Vejo você amanhã?

Eu andava lentamente sobre aquela rua toda tortuosa, cheia de pedras. Por um instante olhei aquele sapatinho de veludo que amava tanto. Vermelho e branco, xadrez; me sentia uma bonequinha com aquele sapato. E ele me deixava pisar confortavelmente.
Estava em um daqueles dias em que tudo que se quer é sentir a brisa, olhar para todos os cantos, reparar nas pessoas e em suas expressões. Andar sem se preocupar com nada, exatamente nada. Talvez até arriscar algum caminho desconhecido, para me surpreender com novos lugares...

O dia já estava mudando de cor... às vezes ele se mostra colorido, roxo ou alaranjado. Mas já cansado. É bonito de se observar às seis horas. Parece que ele se torna aconchegante para aqueles que querem chegar logo em algum lugar que lhes dê conforto, onde possam tomar um bom chocolate quente antes de dormir.

Ao passar perto do metrô me deparei com aquela mesma mulher que estava exatamente no mesmo lugar há uma semana, vestida de verde e amarelo, com um chapéu estranho, e um carrinho de supermercado a sua frente cheio de bugigangas. Observava as luzes meio opacas a sua frente como nenhuma outra pessoa ao redor. Parecia buscar algo ao longe, algo que perdeu e que nunca mais teria de volta. Parecia buscar esperança, algum refúgio. Um refúgio que talvez ela nunca encontrasse. O que ela devia fazer com aquelas bugigangas em seu carrinho talvez eu também nunca descobrisse.

Continuei andando com minha sapatilha xadrez, pensando em como a vida podia ser engraçada e ao mesmo tempo misteriosa. E em como as pessoas são completamente diferentes uma das outras... de como os caminhos que fazemos em nossas vidas podem se cruzar, ou podem nunca se encontrar.

Finalmente cheguei. Enquanto minha aula de piano não começava, fiquei ensaiando uma cirandinha de Villa Lobos em teclas imaginárias que se solidificavam quando encostavam em meu livro. Meus dedos caminhavam lentamente por ele, se alternando. Mal cheguei a parte rápida de 'Vamos ver a mulatinha', quando ouvi uma voz doce perguntando:
- Posso sentar ao seu lado?
Parei instantaneamente.
-Claro! -respondi sem olhar.
- Então você toca piano? -Ele disse, com aquela mesma voz doce, só que agora com um pouco também de... alegria.
Eu o olhei. Ele tinha um rosto tão querido... um sorriso fascinante.
- É...toco sim. Quer dizer; estou tentando! - Disse me sentindo mais tímida do que o costume.
- Acho lindo esse dom. Cuide muito bem dele!
Aquilo tudo parecia tão fora da realidade... pois ele me conquistava a cada palavra.
-Ah, não é dom. Só estou me esforçando. E você, o que faz por aqui? -Perguntei, curiosa.
-Não sei muito bem...
Ele olhou para um infinito que ali não existia, pareceu tentar recordar, e... sorriu.
- Esse lugar me atraiu. Senti algo diferente nele. Eu adoro esse mundo que a arte cria... faz bem a nossa alma. Queria poder ficar sempre por aqui.

Ele transpareceu muita sinceridade. E era exatamente isso o que eu também sentia ali, independentemente do que via; pessoas dançando,  falas e movimentos exagerados de um personagem teatral... a música ao longe surgindo de uma flauta. Aquele lugar era realmente encantador. E tudo parecia mais acolhedor ao lado daquele rapaz e seu largo sorriso.

De repente a porta ao lado se abriu. Minha prefessora despediu-se de seu aluno com um beijo, olhou para mim e me convidou para entrar, carinhosamente. Olhou também curiosa para o menino ao meu lado.
-Vamos entrar, Clarissa?
-Sim, professora. Já vou.
Ela então sumiu, se encaminhando novamente para sala. Olhei para ele sem saber o que falar, ao mesmo tempo que tudo o que queria dizer era pra que ele não se fosse, assim, sem deixar rastros... Ele pareceu entender.
- Te espero aqui, quero ouvir você tocar. Se você deixar, é claro.

Eu não disse nada, somente sorri e entrei. Fiquei feliz como nunca com aquele seu jeito galanteador. Ao entrar, arrumei o banquinho até que ele ficasse bom o bastante para mim e sentei finalmente a frente do piano. Minha professora perguntou quem era aquele menino ao meu lado.
-Também não sei...
Ela se mostrou animada, com aquela expressão típica de que esperava uma grande novidade da próxima vez que me visse. E completou:
- Não parecia...!
E isso me deixou contente também.

Dei o melhor de mim durante a aula, e tentei tocar a 'Mulatinha' como nunca tinha tocado antes.
Ensaiamos também os chatos exercícios de Czern, que eu tanto odiava. Até eles me pareceram um pouco agradáveis, porque sabia que a aula estava perto do final.
Acabara enfim. Despedi-me da professora também com um beijo, como seu outro aluno fizera, e saí ansiosa. Um abraço veio me aquecer na mesma hora.
-Foi lindo! Como você me fez bem ao tocar durante esse tempo em que estava aqui nesse banco!

Saímos juntos daquele lugar mágico. Estava chovendo forte. Ia pegar meu guarda-chuva, mas ele me puxou antes que conseguisse. Fomos então até o metrô pulando em poças d'água, de mãos dadas, e nos divertindo como nunca havia me divertido antes. Meu cabelo estava encharcado, e minha mãe ia ficar zangada quando visse. Aquilo tudo se transformava em um sentimento maravilhoso.

Ao chegar ali,  me deu um beijo na buchecha, e perguntou:
- Vejo você amanhã?
Aquele sorriso era tudo o que eu precisava ver amanhã, e em todos os outros dias de minha vida.