24 de novembro de 2010

Como num romance. (Parte 2)

Neste dia, depois de algum tempo, a chamou de anjo azul.
Aquele novo entregar causava nela um certo receio, um medo que queria poder extinguir de todo, podendo assim ter para si o seu homem.
O seu homem... Isto não passava de um desejo, o mais profundo, o mais sincero; aquele que a fazia pensar em se entregar de fato àquela felicidade clandestina.
Tinha a impressão de que o fim iria doer, fazer mal como nunca havia feito nela antes. Às vezes, nos dias que se passaram após o primeiro, em que um era a alegria sem razão do outro, ele a mandava um rosa, ou copiava um poema para enfim conquistar aquela que considerava tão linda mulher.
Nele a paixão também já existia. Ela tinha um carinho enorme por todos os seus gestos.

Seu corpo fora só dele aquela noite...
Fez-se então um receio fora de si, fora dos seus, fora de tudo. Não podia mais fingir que não o sentia. Não podia mais mentir nem para si mesma: chegara a hora de partir. Partir sem seu amor. Tinha que ir com os seus para a próxima turnê. Aquilo era sua vida, e assim a deveria seguir. Seguiria com essa lembrança a lhe machucar; mas seguiria.

Chegou enfim o dia em que ele disse a ela o que já não precisava ser dito: a amava como esposa, não mais como estar.
Ali tudo acabou.
Nunca mais um drink, nunca mais um flash... Nunca mais os olhos de comer.
O homem dos seus sonhos lhe apareceu no dancing, e assim se fora... Amassou as flores que havia levado, os poemas que dessa vez havia escrito; foi-se com um tristeza sem tamanho, cruel, cortante, sem fim. Como num romance.
Fez-se então uma rosa... uma rosa nunca mais feliz.

(Texto inspirado na música "A história de Lily Braun", interpretada por Maria Gadú)

7 de novembro de 2010

Como num romance.

O último retoque...
O batom vermelho finalizava sua maquilagem carregada, realçando seus olhos azuis e sua boca carnuda.
Estava, de certa forma, achando-se deslumbrante. Seu rosto aquela noite parecia mais vivo, e seu desejo mais forte. Não sabia quando iria embora novamente, e nem sabia para onde ir. Uma prática que fazia parte de seu cotidiano. Gostara daquele lugar... As poucas noites em que se apresentou fora contente. Muitas exclamações oferecendo-lhe elogios, muitos aplausos, muitos sorrisos, muito calor. A música antiga enquanto dançava; talvez algum carinho alguns minutos depois. As plumas que enfeitavam seu corpo, seu olhar malicioso, seus passos quase já não pensados. A madeira escura do palco, o nervosismo antes de entrar, a saudade ao sair.
Às vezes algum bilhete apaixonado. Raras vezes uma flor.
Muitas vezes um drink; taças comemoram uma conversa informal. Nas paredes, alguns quadros em preto e branco. Gostava em especial de um. Ficava logo acima da mesa mais próxima das luminárias rosadas. Era um espaço aconchegante e bonito.
- Agora é com você, querida.
Fechou a porta. Ela olhou para o espelho uma última vez. "Agora é com você, querida!". Sorriu. Ajeitou seu decote e foi para a coxia. Mal chegou, ouviu sua música tocar. As pequenas cortinas vermelhas se abriram. Ela entrou.
Murmúrios e olhares encantados; murmúrios de desejo... Era a preferida no dancing, era a mais linda mulher. Enquanto fazia sua performance, atrevia-se a olhar mais profundamente para alguns.Um olhar chamou-lhe a atenção.
Não; aquele era mais um. Era o mais bonito, mas era somente mais um.
Uma pluma caiu aos seus pés. Logo depois, soltou seus cabelos. Aquele novamente... Num relance, seus olhos foram de encontro com os dela de forma penetrante. Tentara evitar, mas não conseguira. Ele a comia com aqueles olhos de comer.
A música acabara. Agradeceu seu público, recolheu sua pluma, saiu atordoada. Desceu, seguiu em direção ao bar. Sentou, pediu uma bebida para tentar se distrair e sentiu olhares de todos os cantos a fitá-la. Já não se incomodava mais.
Estava tranquila a espera de um novo amor que durasse por toda aquela noite. De repente um flash. Virou-se e o viu. Aqueles olhos...
- Poderia ser mais gentil da próxima vez, pedindo para tirar uma foto?
- Ah, me desculpe... Não poderia perder a oportunidade de tirá-la, então resolvi...
Sorriu desconcertado. Aquele gesto lhe surpreendeu.
- Posso sentar com você?
Geralmente os homens dos lugares em que se apresentava não eram tão gentis. Assentiu. Beberam juntos, conversaram. Riram, beberam mais, conversaram mais. Ela foi deixando-se levar por sua simpatia. Mais uma foto, mais um drink, mais um flash. De close em close foi perdendo a pose... até sorrir feliz.

                                                                                                                        [continua]