12 de setembro de 2010

Guarda aqui tuas lembranças, meu amor.

Ela sentara naquela poltrona aconchegante de sua varanda. Ao seu lado, em cima da mesa, sua xícara inseparável de café matinal, e a sua frente a vista alegre das árvores floridas no outono. Olhando todos aqueles tons amarelos vivos também caídos ao chão lembrou-se de sentir mais a si mesma. Respirou fundo, fechou os olhos por um instante e sorriu. Sabia que a paisagem que podia contemplar todos os dias era um privilégio que poucos tinham; sabia que a alegria que sentia ao vê-la logo ao acordar pelas manhãs era somente dela.
Aquele caderno grosso com seus contos de inspiração permanecia junto a mesa como sempre. Um dia iria terminar uma de suas várias histórias. Talvez algumas poucas valessem a pena... mas ela tinha um carinho especial por todas. Em cada uma delas tinha grifado um gesto, uma marca, algo de sua vida. Uma lembrança, um pensamento vago... uma saudade passageira. Sempre escrevera com o coração.
A brisa passou e se contentou em carregar umas poucas folhas secas e a transmitir-lhe um arrepio de frio. Entrou, terminou de tomar o café que tinha em sua xícara colorida e ligou o som. Música sempre a fazia bem. Jogou-se na cama e sentiu o conforto de seus travesseiros e do edredom macio. Abraçando-os, começou a pensar no dia que estava por vir. Sem muitos planos importantes, confessou. Resolveu dar uma olhada em sua mini biblioteca particular. Quem sabe revirar aquele baú antigo, encostado no outro canto do quarto... o adorava, estava ali como objeto de decoração. Era de sua mãe... ganhara de presente quando era criança.
"Guarda aqui tuas lembranças, meu amor. Um dia vai se apaixonar ao relembrá-las..."
Nunca esqueceu das palavras carinhosas de sua mãe. Realmente fazia muito tempo que ele estava ali esquecido.
Olhou para o porta retrato em preto e branco em cima do seu piano. Ela sorria, feliz. Um sorriso sem dores, mágoas. Era encantadora. Persistente. Sentia tantas saudades...
Pensou no quanto a vida era passageira para alguns; porém, marcante.
Desviou seu olhar para seus querido livros... Aquele mais antigo chamava mas atenção por sua capa rústica. Lembrou de quando ela lhe contava histórias antes de dormir. Ficava lendo histórias que acreditava que só ela conhecia. Aqueles também foram momentos inesquecíveis, onde se sentia protegida por seu abraço antes dos sonhos.
Finalmente, (e não sem antes observá-lo com curiosidade) abriu seu baú. Depois de tantos sentimentos bonitos, o que mais poderia vir a surpreendê-la?
Partituras amareladas... de sua mãe herdara o gostar pelas teclas daquele piano... ela ensinara suas primeiras notas, assim como a acompanhou em seus primeiros passos... Entre umas dez, lembrou bem daquela "Canção francesa". Em um dia triste, ela a ensinara a cantar enquanto tocava. A canção, assim como ela, era tão alegre!
"Plantei no jardim um sonho bom..."
Sorriu com carinho ao recordar-se desse dia... separou as partituras e deixou-as arrumadas ao seu lado. Logo em seguida pegou uma caixinha que ela própria pintara quando também era pequena. Estava quebrada. Toda florida, pintada em azul, vermelho e branco. Dentro havia alguns papeizinhos, aparentemente sem nenhum significado maior. mas achou muito singelos seus traços da infância... Tirou-a do baú também com carinho.
Havia também algumas roupas antigas, a fantasia de princesa da sua festa de nove anos, um diário escrito na pré-adolescência (que ao ler arrancou-lhe boas gargalhadas, e as melhores sensações em relação aos amigos).... até que pegou em suas mãos aquele ursinho pequeno de pelúcia. Seu companheiro de todos os dias daquele tempo de inocência e felicidade... ela o amara tanto! Cuidara dele como se fosse um bebê. Como pôde esquecê-lo ali, jogado entre tantas outras coisas...?
Percebeu então que tempo pregava peças... a fazia esquecer de certos detalhes. Mas percebeu que o amor não fugia dele, tampouco se adequava a tal. Ela o amara todos os dias, dentro de cada instante pertencente a seu amor. Assim o fez com a mulher que dera aquele ursinho, o fez com todas as falhas que podia, mas o fez como se não houvesse amanhã.
"Guarda aqui tuas lembranças, meu amor. Um dia irá se apaixonar ao relembrá-las..."
Aquelas lembranças nada mais eram do que tracejados de sua vida. Apaixonou-se por todas elas, pelo valor que cada uma delas transmitiam... sorriu ao se dar conta de como a vida era bonita.
-Esse sorriso você também herdou dela. Mas esse coração maravilhoso... ah, ele é só seu! E é por isso que te amo tanto...
-Eu também te amo, meu amor! Vem cá, me dá um beijo. Já tomou seu café?

3 comentários:

  1. Awn Lidy. Foi mágico. E eu confesso que ri na ultima frase. Não por ser engraçado, mas porque equilibrou os sentimentos meio vagos expressos apenas pelo narrador e os deixou mais sólidos com o pequeno e singelo diálogo. Como havia dito, foi mágico. *o*
    Você sempre sabe o que escrever, Lidy. Obrigada pela oportunidade.

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  2. Permita-se mais. Você faz isso com muito estilo... Adorei o texto, delicioso.

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